A moda é uma indústria poluidora. Geradora de resíduos. Aniquiladora de preciosos recursos naturais não renováveis. Na grande parte das vezes irresponsável no tratamento de seus rejeitos A água é, de longe, a riqueza natural mais sacrificada, pois, além de utilizar milhões de litros simplesmente descartados pós uso para a fabricação de pequeno número de peças, ainda é capaz de contaminá-la com químicos e minerais pesados e nocivos para o equilíbrio da biodiversidade.
Obviedade dispensável dizer que o ser humano não vai parar de consumir. O processo irreversível da globalização permitiu o acesso a bens de consumo a um número exponencial de pessoas. Mais gente comprando, mais demanda, mais fábricas têxteis, mais resíduos, descarte. O que fazer?
Tome-se por exemplo, o jeans nosso de cada dia, popularizado em 1870 pelo empresário têxtil Levi Strauss. Estima-se que mais de metade da população mundial usa jeans diariamente. É o têxtil mais usado do planeta terra. Yves Saint Laurent, o mago francês da alta costura, já lamentou o fato de não ter sido ele o criador dessa peça tão genial, simples e versátil.
Essa singela peça de vestuário demanda três mil e oitocentos litros de água para produzir um único par, e emite 33,4 kg de dióxido de carbono. É o equivalente a deixar uma mangueira de água ligada por quase duas horas sem parar, ou dirigir um carro por mais de 100 km. Mais de cinco bilhões de pares de jeans são produzidos no mundo anualmente. É uma conta assustadora.
No intuito de obter a cor desejada são necessárias várias lavagens. E, para dar aquele efeito destroyed que amamos, utilizam-se água e metais pesados como permanganato de potássio, cromo, mercúrio, cádmio, chumbo, cobre e manganês. Os índices de reciclagem da água empregada são os mais baixos entre todas as indústrias. Para piorar, esses resíduos tóxicos lançados nos rios viajam pelos oceanos até se acumularem em lugares tão distantes como os polos da Terra.
O alarme soou, o stress hídrico chegou, e, na frase do celebrado Professor Juarez Freitas (“Sutentabilidade – Direito ao Futuro”, 3ª Ed., Editora Fórum, 2016), os “muros mentais” terão de cair. Felizmente, o alerta está sendo ouvido. A indústria vem mudando suas práticas e grandes transformações tendentes a, se não eliminar, ao menos reduzir fortemente o impacto ambiental em especialmente sobre as reservas hídricas estão surgindo. A disruptividade tecnológica finalmente chega à Indústria Fashion.
A parceria de grandes players do mercado com empresas de tecnologia e start-ups vem permitindo descobertas que conseguem reduzir em 80% o uso de químicos, de água, energia utilizados no ciclo produtivo. Espírito criativo e inovação trabalhando em prol da sustentabilidade e eficiência voltada à melhoria qualitativa do processo.
Por meio de pesquisa avançada, a fabricante italiana Italdenim descobriu que a Quitosana, uma substância encontrada no exoesqueleto dos crustáceos e é descartada pela indústria alimentícia, melhora em centenas de vezes a absorção e fixação da cor índigo do jeans, dispensando as infinitas etapas de lavagens para obter o tom desejado.
A espanhola Jeanologia, empresa de tecnologia voltada à área têxtil, considerada um think thank do setor, vem revolucionando a indústria, empregando luzes de raios laser para reproduzir digitalmente diversos tipos de efeitos de lavagem sobre as calças jeans, permitindo a transição de um processo “molhado” para um processo “seco”. A mesma empresa criou o que batizou de ecotecnologia, por meio da qual a lavagem das peças é realizada por máquinas semelhantes à grandes lavadoras industriais e que usam, não água, mas ar. A Ozone G2 captura o ar da atmosfera (O2), transformando-o em ozônio (O3) e liberando partículas que agem sobre os tecidos retirando os excessos de tinta, ou promovendo aquele efeito washed perfeito.
Mas não para por aí. Essa mesma empresa criou o EIM – Environmental Impact Measurement – um software destinado a medir a quantidade de água, químicos, energia utilizada no produto, e o quanto isso afeta seu footprint ecológico, permitindo às marcas tornar suas coleções mais sustentáveis.
Open Sources in fashion? Sim. O licenciamento livre chega também ao universo da moda com a iniciativa da marca holandesa G-Star Raw que afirma ter criado a tecnologia de produção de jeans mais limpa do mundo, empregando a sustentabilidade em toda sua cadeia, desde a utilização do algodão orgânico, sem agrotóxico com menos emprego de água, desenvolvimento da fibra até o produto final. E, pretendendo ser um catalisador da mudança de mentalidade do setor, abriu o acesso a todo o seu processo produtivo, implementando um modelo colaborativo de criação intelectual.
Com os desafios do setor vêm chegando as inovações, e, com elas, múltiplas oportunidades em áreas como design, tecnologia, jurídica e tantas outras que economia criativa começa a descortinar, evidenciado que a sustentabilidade é obrigatória, viável e rentável.
Ana Fábia Ribas de Oliveira Ferraz Martins
Advogada especializada em Direito da Moda
Membro da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR
https://www.diarioinduscom.com.br/moda-sustentabilidade-e-tecnologia/